sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Rumo ao mar



Quando dei por mim, estava lá. Solto, morno, largado. disforme em meio ao velho sofá, à espera de algum sinal que me pudesse lançar à vida. À minha vida, ou à vida de quem quer que fosse que me pudesse levar adiante, por entre as portas, as janelas, as paredes, os jardins.

Alguém que pudesse suportar o peso de meu corpo gordo, desengonçado, que insistia em estar onde eu não queria que estivesse. Sempre transbordando de meu ser, sempre diluindo meu verdadeiro eu, e encharcando o mundo ao meu redor de incursões invasivas e evasivas.

Alguém que pudesse me cortar em tiras, fatiar minha carne e me tirar de mim.
Alguém que pudesse me encontrar, onde quer que estivesse em meio à minha descomportada morada.

Morada de acúmulos de sonhos vividos e frustrados numa coleção de sabores, de odores, de amores e peles que se encontram e esfregam no pulsar das ondas que navegam soltas em minhas tão suadas roupas.

E eu estava lá. Contido em minha prisão. Moldado em meus erros, em meus acertos, em minha quase entrega.

Quase entrega pela qual escorrego como manteiga quente pra dentro de uma garrafinha suja. De onde saio ainda líquido para molhar algum pedaço de bicho esturricado ao sol.

É cômodo ser líquido. Caber onde quer que caiba.

É cômodo escorregar, molhar, cair, juntar em poça, no fundo de algum lugar.

No fundo de algum lugar.

No fundo, é isso. Não ter que se entregar.

Apenas se largar, deixar, fluir, molhar, escorregar, moldar, deitar e parar, enquanto o sol não aparecer, esquentar e levar (pra outro lugar).

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