terça-feira, 4 de agosto de 2015

NA PORTA DO BANCO

Por Edson Vidigal​

Os carros conversam. Um diz “fom, fom”. O outro lhe responde: “bii,biiii!”. Lá vem um ônibus e prepotente grita: “foooooooom”. Como que um aviso: “eu sou maior, heim?”. E uma tímida motoquinha passa calada por entre eles.

Enquanto isso, um tristonho semáforo assistia à discussão das buzinas pensando: “talvez estejam brincando, quem sabe brigando? Vai ver apenas disputam quem buzina mais, ou mais alto...”

O fato é que não se calam. Mas deixemos isso pra “papo de botequim”. Aliás, espero nunca me deparar com um fusquinha lá pelos seus trinta e tantos anos (fusquinha quarentão), já alcoolizado, e muito (apesar de que geralmente o ponteiro de combustível de fusquinhas quase não sai da reserva...), teorizando à porta de um bar sobre a hermenêutica das buzinas...

Enfim, em meio aos “bii-biiis” e “fom-fons” de nossos amigos (será que “bii-bii” é  um dialeto ou uma língua e “fom-fom” é outro? Se for, ainda não vi nenhum carro poliglota), e a melancolia do pobre semáforo, estava eu na porta do banco esperando que a dita instituição financeira se abrisse.

Notei que havia um mendigo na calçada, estirado no chão. Talvez apreciando o cimento (não pude conter a observação sarcástica!). Em um determinado momento, passaram dois pivetes e lhe roubaram os chinelos. Perplexos, eu e os outros à espera do banco observamos ao fato e nada fizemos.

Por que não fizemos nada? Ou, ainda, o que deveríamos ter feito? Subitamente passou pela minha cabeça a ideia de que, quando eu pegasse o dinheiro no banco (esse era meu propósito no local) eu daria o suficiente ao mendigo para que ele comprasse outro par de chinelos.

Um sujeito comentou então que o governo deveria criar “hospitais” com muros bem grandes, onde, ali colocados, os mendigos e pivetes não poderiam fugir (que idéia mais fraterna, pensei eu...). Prontamente outro que tentava passar a imagem de conhecimento e aptidão no assunto, teorizava que a sociedade era injusta, e que nos encaminhávamos a nos tornar uma nova Somália, ou Etiópia, e isso, e aquilo (este, provavelmente se realizaria sentado ao lado de um fusquinha quarentão e suas hermenêuticas em um bar). Pouco depois, a conversa já era em torno de rendimentos, aplicações financeiras e a nova namorada do centro-avante do flamengo.

Já eram muitos na fila à espera do banco, indiferentes ao mendigo em meio à multidão (e ele também indiferente a todos em seu sono). O mendigo magro, fraco, sujo, e agora descalço. Talvez estivesse ali de fome. Não se aguentava em pé (e esse banco que não abre!). Pensei que, ao sair do banco com o dinheiro, chamaría-o para tomar um café no bar ali perto e comer alguma coisa.

Finalmente, a porteira se abre, e como humanos, os bois avançaram desesperadamente banco adentro. Sou uma das primeiras cabeças da manada. À minha frente o teórico, que a pouco teorizava sobre o mendigo (“Que mendigo?” – já não se lembrava) reclamava: “A gente fica um tempão esperando o banco abrir, e depois ainda enfrenta fila!”. Dez ou quinze minutos depois foi atendido. Pensei em quanto tempo ainda o mendigo terá que esperar para ser atendido por alguém. Imaginem a sua felicidade em esperar dez ou quinze minutos (que tédio!), ou mesmo uma, duas, três horas para depois desta “longa” (oh!) espera (não sei como o teórico aguentou 15 minutos...) ser finalmente atendido. Será que ele será atendido algum dia?

Finalmente, após a minha longa espera de, não quinze minutos, mas 30 minutos, peguei o meu dinheiro e saí do banco. Agora de posse do “dindin”, olho para o mendigo, ainda estagnado no chão. Penso que vou leva-lo agora para o dito lanche, mas... Não! Agora observando melhor, talvez não fosse carente. Afinal, talvez fosse um vagabundo, caído de bêbado. Não. Um vagabundo não merece compaixão! Ponho o meu dinheiro no bolso e me vou. Mais adiante gasto o dinheiro que iria dar pro mendigo na minha terceira refeição do dia (quantas será que ele já teve?). E o mendigo é passado. Ele ainda deve estar lá, e por ele devem estar passando outros teóricos. E os carros continuam conversando...


Calem-se!

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