Por Edson Vidigal
Os carros conversam. Um diz “fom, fom”. O outro lhe responde:
“bii,biiii!”. Lá vem um ônibus e prepotente grita: “foooooooom”. Como que um
aviso: “eu sou maior, heim?”. E uma tímida motoquinha passa calada por entre
eles.
Enquanto isso, um tristonho semáforo assistia à discussão das
buzinas pensando: “talvez estejam brincando, quem sabe brigando? Vai ver apenas
disputam quem buzina mais, ou mais alto...”
O fato é que não se calam. Mas deixemos isso pra “papo de botequim”.
Aliás, espero nunca me deparar com um fusquinha lá pelos seus trinta e tantos
anos (fusquinha quarentão), já alcoolizado, e muito (apesar de que geralmente o
ponteiro de combustível de fusquinhas quase não sai da reserva...), teorizando
à porta de um bar sobre a hermenêutica das buzinas...
Enfim, em meio aos “bii-biiis” e “fom-fons” de nossos amigos (será
que “bii-bii” é um dialeto ou uma língua
e “fom-fom” é outro? Se for, ainda não vi nenhum carro poliglota), e a
melancolia do pobre semáforo, estava eu na porta do banco esperando que a dita
instituição financeira se abrisse.
Notei que havia um mendigo na calçada, estirado no chão. Talvez
apreciando o cimento (não pude conter a observação sarcástica!). Em um
determinado momento, passaram dois pivetes e lhe roubaram os chinelos.
Perplexos, eu e os outros à espera do banco observamos ao fato e nada fizemos.
Por que não fizemos nada? Ou, ainda, o que deveríamos ter feito?
Subitamente passou pela minha cabeça a ideia de que, quando eu pegasse o
dinheiro no banco (esse era meu propósito no local) eu daria o suficiente ao
mendigo para que ele comprasse outro par de chinelos.
Um sujeito comentou então que o governo deveria criar “hospitais”
com muros bem grandes, onde, ali colocados, os mendigos e pivetes não poderiam
fugir (que idéia mais fraterna, pensei eu...). Prontamente outro que tentava
passar a imagem de conhecimento e aptidão no assunto, teorizava que a sociedade
era injusta, e que nos encaminhávamos a nos tornar uma nova Somália, ou
Etiópia, e isso, e aquilo (este, provavelmente se realizaria sentado ao lado de
um fusquinha quarentão e suas hermenêuticas em um bar). Pouco depois, a
conversa já era em torno de rendimentos, aplicações financeiras e a nova
namorada do centro-avante do flamengo.
Já eram muitos na fila à espera do banco, indiferentes ao mendigo em
meio à multidão (e ele também indiferente a todos em seu sono). O mendigo
magro, fraco, sujo, e agora descalço. Talvez estivesse ali de fome. Não se
aguentava em pé (e esse banco que não abre!). Pensei que, ao sair do banco com
o dinheiro, chamaría-o para tomar um café no bar ali perto e comer alguma
coisa.
Finalmente, a porteira se abre, e como humanos, os bois avançaram
desesperadamente banco adentro. Sou uma das primeiras cabeças da manada. À
minha frente o teórico, que a pouco teorizava sobre o mendigo (“Que mendigo?” –
já não se lembrava) reclamava: “A gente fica um tempão esperando o banco abrir,
e depois ainda enfrenta fila!”. Dez ou quinze minutos depois foi atendido. Pensei
em quanto tempo ainda o mendigo terá que esperar para ser atendido por alguém.
Imaginem a sua felicidade em esperar dez ou quinze minutos (que tédio!), ou
mesmo uma, duas, três horas para depois desta “longa” (oh!) espera (não sei
como o teórico aguentou 15 minutos...) ser finalmente atendido. Será que ele
será atendido algum dia?
Finalmente, após a minha longa espera de, não quinze minutos, mas 30
minutos, peguei o meu dinheiro e saí do banco. Agora de posse do “dindin”, olho
para o mendigo, ainda estagnado no chão. Penso que vou leva-lo agora para o
dito lanche, mas... Não! Agora observando melhor, talvez não fosse carente.
Afinal, talvez fosse um vagabundo, caído de bêbado. Não. Um vagabundo não
merece compaixão! Ponho o meu dinheiro no bolso e me vou. Mais adiante gasto o
dinheiro que iria dar pro mendigo na minha terceira refeição do dia (quantas
será que ele já teve?). E o mendigo é passado. Ele ainda deve estar lá, e por
ele devem estar passando outros teóricos. E os carros continuam conversando...
Calem-se!
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