terça-feira, 10 de setembro de 2013

DONZELAS E MOINHOS


Por Edson Vidigal

Um dia, há muito tempo atrás, resolvi desistir de esperar por um cigarro que nunca foi comprado, e segui em frente.

Faz por ti e Deus sempre te ajudará – Escutei de alguém.

Isso faz muito tempo.

Submeti meu destino às minhas vontades. Tomei as rédeas de minha vida, lhe fiz sentir minhas esporas e a conduzi rumo à minha missão.

E como um cavaleiro andante, um paladino de moinhos e donzelas indefesas, segui caminho por entre as vicissitudes que me esgueiravam.

Foram muitas donzelas indefesas pela estrada. Muitos moinhos, muitos monstros que mantive sob controle, sem, contudo, extirpá-los.

Doces donzelas arrebatadas pelo romantismo e charme heróico das aventuras épicas.
Doces donzelas que se foram.

Mas os moinhos ainda se encontram à espreita. Rondando por aí entre arbustos e embustes. À espera de qualquer descuido que possam se utilizar a fim de me atacar, roubar-me a paz, impedir-me de trabalhar o que preciso a fim de recuperar o tempo perdido por toda essa humanidade estúpida, incompetente e desqualificada que nos antecedeu.

Não quero que minha vida seja um rio indomável, que me leva ao sabor do destino, no seu curso e na sua velocidade. Sou eu quem dita as regras.

Não sou mais aquele moleque assustado, medroso, acometido de dúvidas e desamparado de certezas. Sou eu quem dita as regras.

Hoje olho no espelho e me vejo. Meus cabelos brancos são testemunhas de minha vida, de minha luta. De um passado revolucionário, contestador, idealizador, crítico. A testa que se alastra sobre meus “já tão usados” neurônios é a marca da maturidade que adquiri em minha história de luta, de prisões de alma, de cassações do espírito, de mandatos de fé, de fugas “estamentais”. Meu sorriso milimetricamente calculado faz reluzir toda a dentadura frontal de um puro sangue. Meu olhar honesto e provocador deixa transparecer intencionalmente o cansaço e a preocupação, frutos de meu labor diário e constante pressão dos fardos impostos pela vida – ou pelo nascimento. Vejo uma expressão diria plástica. Obra natural da imposição desfiguradora da vida. Documento aceito e apensado aos autos.

Bem que tentaram me afastar de minha missão, de meu orgulho, de minha convicção. Mas medalhas e mais medalhas, que se espalham por todos os lados e não se escondem dos olhares incrédulos que me ameaçam, são provas da manutenção de minha revolução, de minha contestação, de minha ideologia, de minha crítica. Tais medalhas são a prova viva – sim, viva – de que apesar de tudo e de todos, eu não me entreguei. Sou eu quem dita as regras.

Poderia eu ser apenas mais um na correnteza. Com seus afazeres diários, suas preocupações mundanas, seus “trocar-de-fraudas” e “lavar-de-pratos”. Mas não, a vida é égua domada em minhas mãos. Mãos suadas, desgastadas pelo trabalho árduo. Mas mãos limpas. Mãos que ajudaram sozinhas este jabuti na sua dura tarefa de subir na árvore. E aqui estou eu no topo. Na copa frondosa, bela e alta, de onde se avista o lago e, bem ao longe, um punhado de gente que, pela altura e distância que me encontro delas, mais parecem formiguinhas esperando serem pisadas pelo caminho, como tantas outras que pisamos aqui e acolá na necessidade de seguir em frente.

De nada devemos ter medo, nem mesmo de pisar em formiguinhas. Sejam elas quais forem. Tudo o que for necessário para seguir em frente com as rédeas nas mãos, não ao sabor das águas.

Na vida, a verdade é que precisamos passar por cima de todo mundo, nem que para isso tenhamos que passar por cima de todo mundo. É uma sábia verdade, apesar do pleonasmo.

Tudo pela democracia!

Tudo pela égua!

Tudo para os filhos da égua!

Nada para os filhos do rio!

Rio que indiferente a tudo, segue sempre rumo ao mar.

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