Por Edson Vidigal
Um dia, há muito tempo atrás, resolvi desistir de esperar por um cigarro que nunca foi comprado, e segui em frente.
Um dia, há muito tempo atrás, resolvi desistir de esperar por um cigarro que nunca foi comprado, e segui em frente.
Faz
por ti e Deus sempre te ajudará – Escutei de alguém.
Isso
faz muito tempo.
Submeti
meu destino às minhas vontades. Tomei as rédeas de minha vida, lhe fiz sentir
minhas esporas e a conduzi rumo à minha missão.
E
como um cavaleiro andante, um paladino de moinhos e donzelas indefesas, segui
caminho por entre as vicissitudes que me esgueiravam.
Foram
muitas donzelas indefesas pela estrada. Muitos moinhos, muitos monstros que
mantive sob controle, sem, contudo, extirpá-los.
Doces
donzelas arrebatadas pelo romantismo e charme heróico das aventuras épicas.
Doces
donzelas que se foram.
Mas
os moinhos ainda se encontram à espreita. Rondando por aí entre arbustos e
embustes. À espera de qualquer descuido que possam se utilizar a fim de me
atacar, roubar-me a paz, impedir-me de trabalhar o que preciso a fim de
recuperar o tempo perdido por toda essa humanidade estúpida, incompetente e
desqualificada que nos antecedeu.
Não
quero que minha vida seja um rio indomável, que me leva ao sabor do destino, no
seu curso e na sua velocidade. Sou eu quem dita as regras.
Não
sou mais aquele moleque assustado, medroso, acometido de dúvidas e desamparado
de certezas. Sou eu quem dita as regras.
Hoje
olho no espelho e me vejo. Meus cabelos brancos são testemunhas de minha vida,
de minha luta. De um passado revolucionário, contestador, idealizador, crítico.
A testa que se alastra sobre meus “já tão usados” neurônios é a marca da
maturidade que adquiri em minha história de luta, de prisões de alma, de
cassações do espírito, de mandatos de fé, de fugas “estamentais”. Meu sorriso
milimetricamente calculado faz reluzir toda a dentadura frontal de um puro
sangue. Meu olhar honesto e provocador deixa transparecer intencionalmente o
cansaço e a preocupação, frutos de meu labor diário e constante pressão dos
fardos impostos pela vida – ou pelo nascimento. Vejo uma expressão diria
plástica. Obra natural da imposição desfiguradora da vida. Documento aceito e
apensado aos autos.
Bem
que tentaram me afastar de minha missão, de meu orgulho, de minha convicção.
Mas medalhas e mais medalhas, que se espalham por todos os lados e não se escondem
dos olhares incrédulos que me ameaçam, são provas da manutenção de minha
revolução, de minha contestação, de minha ideologia, de minha crítica. Tais
medalhas são a prova viva – sim, viva – de que apesar de tudo e de todos, eu
não me entreguei. Sou eu quem dita as regras.
Poderia
eu ser apenas mais um na correnteza. Com seus afazeres diários, suas
preocupações mundanas, seus “trocar-de-fraudas” e “lavar-de-pratos”. Mas não, a
vida é égua domada em minhas mãos. Mãos suadas, desgastadas pelo trabalho árduo.
Mas mãos limpas. Mãos que ajudaram sozinhas este jabuti na sua dura tarefa de
subir na árvore. E aqui estou eu no topo. Na copa frondosa, bela e alta, de
onde se avista o lago e, bem ao longe, um punhado de gente que, pela altura e
distância que me encontro delas, mais parecem formiguinhas esperando serem
pisadas pelo caminho, como tantas outras que pisamos aqui e acolá na
necessidade de seguir em frente.
De
nada devemos ter medo, nem mesmo de pisar em formiguinhas. Sejam elas quais
forem. Tudo o que for necessário para seguir em frente com as rédeas nas mãos,
não ao sabor das águas.
Na
vida, a verdade é que precisamos passar por cima de todo mundo, nem que para
isso tenhamos que passar por cima de todo mundo. É uma sábia verdade, apesar do
pleonasmo.
Tudo
pela democracia!
Tudo
pela égua!
Tudo
para os filhos da égua!
Nada
para os filhos do rio!
Rio
que indiferente a tudo, segue sempre rumo ao mar.
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