Por Edson Vidigal
Era uma casa assim, meio marron, meio
vesga. Um tanto quanto obscena. Uma casa atrapalhada, desajeitada, mas sutil e
sensual. Uma casa onde se escondiam lembranças de uma vida que não nasceu, que
não viu a luz. Lampejos abafados por tudo o que não se queria ter tido.
Todos trocavam carícias na sala de estar.
Uns mais, outros menos. Todos estavam dispostos a tentar. Vendados, alados,
soltos, perdidos. Um vai e vem de idas desenfreadas, de retornos bruscos, de orgias
de falta, de inebriadas razões.
Quando aquela cena inusitada rompeu o
silêncio, ninguém se incomodou. Continuaram trabalhando a fiar seus ninhos de sobras
de vida, de verdes que perderam a cor, de seivas que secaram a dor.
Quando as taças de cristal foram quebradas,
a nota alta e breve se diluiu no nada, e apenas um suspiro mudo se ressentiu do
que ficou. Dos cacos de uma história que havia sido lapidada por tempos e
tempos enquanto do fosco se alcançava o brilho. Das mãos que ficaram trêmulas,
das bocas que foram molhadas, dos corações que foram embriagados em torpor.
Todo o amparo de uma certeza frágil e
delicada, que não resistiu ao choque contra a dureza da razão. Aquela que lhes
era chão. Fria, implacável. Sólida como uma rocha, sábia como uma pedra.
Enquanto isso, na escada, um tanto inquieta,
ela lamentava a solidão de dedos curiosos que não encontraram o amor. Cada um
deles disposto a se abrir em busca de se deixar conduzir levemente pelo calor
de um só corpo.
Uma só vida, que se perdera em várias. Uma só
luz que se partiu em duas, em três, em quatro, em seis, em muitas, até
enfraquecer o brilho, empalidecer as formas, minguar na sombra.
Tantos degraus já haviam sido pisados e
repisados por passos incertos, presos, acorrentados a um ponto fixo no
corrimão, na vã tentativa de se prevenir da queda.
Aquela sem a qual a bicicleta não se deixa
conduzir, os joelhos não se transformam em pés, as esfinges não são
solucionadas para que por fim sejamos, de uma forma ou de outra, devorados
pelas tramas de nossas vidas.
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